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Em julho de 2023, uma megaoperação contra o tráfico de drogas internacional apontou entre os envolvidos uma curiosa figura, que pegou de surpresa muita gente familiarizada com a rede nazifascista do país.
É Iuri Gusmão, ligado a um grupo mercenário estrangeiro, revelado agora como um dos guarda costas do megatraficante de drogas e mafioso Antônio “Dom”, que operava na fronteira do Paraguai. Iuri é uma figura carimbada do neonazismo brasileiro há pelo menos 15 anos. Segundo as matérias veiculadas, ele tinha informação privilegiada e foi alertado sobre a operação contra o traficante. Sua prisão traz questões importantes, mostrando mais uma vez que contatos internacionais garantem estabilidade financeira e costas quentes para os projetos mais extremos, e trazem dúvidas sobre a infiltração de agentes hostis aos interesses do país dentro das forças armadas.
Anos antes do cargo de guarda-costas, Iuri agia com uma gangue que operava em Minas Gerais. Seus contatos, ligados cada vez mais a partidos e organizações internacionais. Das mais chucras, como a Blood & Honour, às mais discretas e institucionais. Mas é sua presença numa rede cultural que é interessante destacar, para entender é preciso recapitular essa história.
Na virada de 2010, era óbvio que a esperança em soluções institucionais tinha acabado. Caçadores de suásticas em nuvens e outras frivolidades ignoravam a implicação da transformação da onda nazifascista que havia ocorrido nos últimos anos. O DECRADI, delegacia especializada em crimes de intolerância, focada em grupelhos em decadência e impopulares, não interferiam no que estava nascendo.
Os grupos que os movimentos antifascistas monitoravam no inicio dos anos 2000 eram de subculturas e se organizavam majoritariamente fora da internet. À medida que envelheciam, alguns passaram cada vez mais a mencionar temas esotéricos e o escritor Julius Evola, passando desapercebido pela ala que se distraía com grupos desarticulados e decadentes.
Em 2008, num polêmico festival neonazista com europeus no Rio de Janeiro, por exemplo, um personagem envolvido nesses círculos, que matinha uma rede de distribuição de música Black Metal neonazista, já havia sido identificado como uma figura peculiar. Ali, já destoava totalmente da temática skinhead, pairava um certo ar de “olavismo”, emulando sofisticação e aristocracia.
A virada se deu mesmo com a explosão de blogs e tumblrs da chamada rede Zentropa. Ligada ao grupo CasaPound, por volta de 2004 começaram a atuar com uma estética hipster, e usar intensamente a linguagem dos memes, que crescia naquele momento. Apesar de pouca presença na rua, a rede era global.
É nesse contexto que Ana Siman surge no radar pela primeira vez, mais tarde seria uma das fundadoras da Nova Resistência, organização controlada por Aleksandr Dugin no Brasil. Ela, descendente de libaneses mas sonhando com uma descendência comum com o Império greco-romano, articulava o principal tumblr dessa rede no Brasil, e comandava o grupo Zentropa Austral, de onde sairiam ideias do Grupo Austral, mais tarde Nova Resistência.
Apesar de o grupo Austral de Siman chegar inclusive a adotar a estratégia de streetart do zentropa europeu, como por exemplo um infame lambe-lambe de René Guenon, que supostamente teriam sido colados pelas ruas, o tumblr dela buscava transformar em memes de forma hipster os nazistas históricos e outros menos conhecidos, e aproximar essa nova tendência dos ainda envolvidos no cenário caricato skinhead de extrema direita.
Ligada a uma gangue neonazi do Espírito Santo, ela postava fotos de sua “banca” local, além de seus amigos na Bahia e em Minas Gerais, intercalando o conteúdo nacional com fotos de saudação dos contatos que mantinha com neonazistas europeus. O objetivo era criar credibilidade de rua para essa abordagem virtual.
Um de seus principais amigos, que aparecia com recorrência, era Antônio “Caramelo” Donato, de Minas Gerais. Donato se tornaria famoso com a caçada midiatizada para sua prisão, após uma série de desdobramentos desencadeados pela publicação que fez de uma foto em que estrangulava um morador de rua.
A gangue de Donato estava antenada às tendências europeias além da CasaPound. Na Rússia, antes dos italianos, o meme hardbass se espalhava. Grupos de neonazistas saiam caçando imigrantes e homossexuais, os espancando e queimando seus passaportes, algumas vezes os matando. As imagens eram jogadas na internet com uma música do gênero hardbass, popular entre hooligans do futebol, e intercaladas com imagens dos agressores dançando e rindo ao lado de suas vítimas. Donato e sua gangue já adotavam a estratégia. Ataques contra homossexuais e judeus eram gravados com danças hardbass por eles.
No vídeo, em um encontro entre fascistas de diferentes estados, Donato ataca em São Paulo com membros do grupo neonazista Impacto Hooligan/Kombat RAC
À essa altura também, a aliança de antifascistas e hacktivistas se fortaleceu. Personagens eram catalogados em suas relações, e coisas que não publicavam abertamente eram coletadas como fonte de inteligência tática. Entre os observados dessa rede, Raphael Machado, o “Alberiq”, já aparecia, mas era um personagem menor, que operava o site da seita nazista de Nimrod de Rosário e outros pequenos blogs de divulgação de literatura nazifascista.
Desta vez, ao contrário do esperado, não é Machado que se revelou ponto de conexão da Nova Resistência com mais um caso de neonazismo e criminalidade. É Ana Siman, essa outra fundadora da Nova Resistência, camarada de Iuri, guarda-costas do narcotraficante e membro da gangue de Donato, que inclusive foi preso com ele na ocasião das investigações da infame foto do estrangulamento em Minas Gerais.
Resta a pergunta: esta rede de mercenários está sendo investigada? O que o jornalismo profissional poderia descobrir sobre ela? Sabemos que um outro estrangeiro ligado a Iuri está envolvido com a máfia do traficante de drogas Dom. Sua origem grega trás ainda outra pergunta. Isso porque Siman é noiva de um membro australiano de origem grega da Nova Resistência, Paul Antonopoulos, demitido de um jornal quando foram descobertas provas que ele operava um perfil no fórum neonazista Stormfront. Após sair de Minas Gerais, viajou à Grécia onde iniciou campanha de perseguição racial a paquistaneses e muçulmanos na mídia local (mais uma prova que as alianças da rede de Dugin são oportunistas e podem reverter para o seu oposto em outras localidades do mundo). Sua própria estadia no Brasil foi abalada quando vieram à tona supostos comentários depreciativos sobre nosso povo.
Teria a conexão grega de Antonopoulos alguma coisa a ver com o mercenário foragido Nikolaos Kifanidis, ou seria mera coincidência que outro amigo de Siman esteja envolvido com esse grupo mercenário? É preciso fazer pressão, e depende de cada um de nós para ser posto em pauta.
Saiba mais:
- PM, ex-militar, neonazista, político e dono de clube de tiro: veja quem fazia parte da força paramilitar do megatraficante que fugiu de helicóptero da PF. Antônio Joaquim Mota era alvo de uma operação da PF, mas conseguiu fugir. Seis de seus milicianos foram presos e outros cinco fugiram. Imagens mostram grupo ostentando armas de grosso calibre: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2023/07/04/veja-quem-fazia-parte-da-forca-paramilitar-do-traficante-que-fugiu-de-helicoptero-da-pf.ghtml