postado originalmente
aqui
Pensando sobre a tentativa de assassinato de Kirchner e a discussão sobre "pessoas perigosas" pensei num esboço em 2 partes. A 1ª é sobre os "nazistas miscigenados" e a função do misticismo como estofo do projeto de um futuro reacionário pela extrema-direita
O fio é gigante mas quero passar por pontos poucos explorados como a participação de Nimrod de Rosário nos serviços de inteligência, com um caso de sequestro e tortura, e o papel da onda mística de extrema direita na ditadura Argentina. Então acompanhe até o fim.
Recapitulando: Fernando Sabag Montiel, o autor da tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, demonstrava ser simpatizante de um movimento de franja da extrema-direita. Pouco depois, outro grupo do mesmo espectro político, ideologicamente rival, saiu em sua celebração.
Sabag, ao que tudo indica, parece representar a geração da virada estratégica do neofascismo de meados dos 2000, fundado na internet e de caráter pessoal e individualizado, que trouxe autores místicos ao centro da formação política
O auge foi a redescoberta de Evola em ~2004, mas também na Am. Latina autores como o obscuro Nimrod de Rosário produziram novas orgs da chamada Sabedoria Hiperbórea, especialmente na América Latina como a OCTIRODAE e os Véganistas (de Vega, não vegano)
Se Evola ressurge na Europa pelo contexto da renovação estética, o potencial da metapolítica na nova era da internet e das casas culturais, na Am. Latina um aspecto importante do misticismo foi a possibilidade de destrave que o conceito de "Raças Espirituais" permitiam.
Vejamos por exemplo um militante brasileiro do véganismo: A ancestralidade de mtos entusiastas do neonazismo na A. Latina sempre foi um impeditivo. Ao criar um mito fundador q permitia reivindicar uma aristocracia não-sanguínea, se tornou possível o aumento de adeptos e a superação dos mov. existentes, imobilizados pelas circunstâncias
Mto + importante q as minúcias fantásticas de seus textos, é a cosmovisão dessas religiões que dá base para reorientação moral dos militantes. Se a realidade material é fruto de um falso deus, a bússola moral se torna irrelevante e há um novo aceitável para mobilizar
Ñ é estranho q no site d Aleksandr Dugin encontramos uma empolgada análise do mito estabelecido por Nimrod de Rosário, indicando a guerra entre o falso deus e o guardiões como duplo de seu próprio mito da guerra entre os povos da terra e do mar, ecos de uma geopolítica "sagrada"
Também não espanta que os agentes de Dugin no BR tenham se calado a princípio e posteriormente negado a veracidade atentado de Sabag. O próprio líder desse movimento foi membro de uma seita da Sabedoria Hiperbórea. Sua influência se vê até hj na org: https://archive.ph/7vbwm
Mas essa mitologia é apenas a incubadora: esses capturados, atomizados, tendem a avançar para a disputa organizada e metapolítica. Caso claro da materialidade desses movimentos é o próprio Luis Felipe Moyano, o Nimrod do Rosário. Mas essa história é ainda mais antiga.
No início da década de 50 um grupo de extrema direita fundado originalmente por um médium BR ganhava forma na Argentina. A Loja Anael, cuja origem teria sido uma sessão espírita no rj, ditava uma geopolítica espiritual fundado no conceito dos 3 vértices, ou Triplo A.
Mais tarde Moyano explicaria no "História secreta da Sociedade da Thule". Os 3 A seriam América, Ásia e África, 3 pontos onde deveria se estimular focos de conflitos para desestabilizar o projeto da Internacional Socialista. Um triângulo esotérico, de "vértices de liberação".
Como Dugin, eles manipulavam o sentido de acordo com a conveniência. Anael era o nome do espírito revelado por Menotti, mas convenientemente tbm a sigla "Associação de Nações Americanas em Libertação". Para Dugin Atlanticismo é o nome das raças do mar, mas também o A, de OTAN.
O plano original tinha como Vargas o avatar que iria fundir AR com BR, mas quando este morreu, Perón tomou seu lugar. Rapidamente o anaelista López Rega, "El Brujo", se entranhou no governo de Perón. Na Universidade, Arias Varela fincou influência. Na marinha, César Urien.
Infiltrando o projeto neofascista via Isabela Perón, López Rega, agora ministro do Bem Estar Social, resignifica a Triplo A como Aliança Anticomunista Argentina. O grupo de extermínio barbarizaria a esquerda em massacres como Ezeiza e abriu as portas do caos pro golpe de 1976.
Pouco antes do golpe o jovem Moyano já discutia teses hiperbóreas com o ministério do Bem Estar Social, base da Triplo A. Na mesma altura surje um comandante chave, Seineldín, suspeito de sequestro e execução, e parte da operação do massacre de grupos de esq. em Tucuman.
Já em 82 Seineldín ganharia fama por seu papel na Guerra das Malvinas, Moyano se tornaria íntimo dele, eventualmente se tornado seu assessor, através do contato de sua mãe com os movimentos militares nacionalistas. Esses outros contatos anaelistas lhe inseriram no governo.
No fim de 89, a polícia é alertada sobre um sequestro. A vítima sofreu tortura com choques nas genitais e sua companheira continuava presa. Qndo emboscaram os acusados, se identificaram como agentes secretos da Central Nacional de Contrainteligência. Entre eles Moyano.
Moyano e os outros ñ foram presos. Explicaram se tratar de uma complexa operação contra traficantes bolivianos e 30g de cocaína. Ñ só impressiona a loucura da história, mas q o QG deles tbm era a sede da seita mística Ordem Tirodal de Moyano.
De fato, no fim dos 80 uma série de ataques terroristas contra judeus e esquerdistas foram perpretados por seitas esotéricas de orientação neonazista, que mais tarde se descobriu ligadas a personagens das forças armadas e forças policiais, como os Los Arcángeles e Círculo Rico.
Mais tarde Seineldin, de qm Moyano era assessor, tenta dar um golpe militar, o último dos Carapintadas que buscavam anistía aos milicos por seus crimes contra a humanidade na ditadura. Agora ele imprimia um discurso "anti-imperialista" ao golpe, e foi preso.
Nesse ponto, retornando ao presente, é preciso dizer que Sabag é um desequilibrado q figura como relíquia de um estágio esgotado do nazifascismo, mas que nesse exato momento o mesmo processo renovou seu ciclo com Dugin, que vem estabelecendo uma rede na Am. Latina.
Não é difícil de entender que não há nada de inovador da "geografia sagrada" que Aleksandr Dugin tenta impor num secto militar brasileiro, e que a natureza delirante de seus textos não impede a ambiguidade "pragmática" de se infiltrar nas estruturas de poder.
Sabag deve ser lido como um lembrete, de que a história pode se repetir. Para mais informações sobre a facção de direita criada por El Brujo dentro do peronismo e o massacre da esquerda em Ezazia recomendo este doc em espanhol: