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Em dezembro de 1969, nazifascistas atacaram duas regiões da Itália, em uma série de atentados iniciados nos meses anteriores. Um deles, a bomba em Piazza Fontana, matou 17 pessoas e feriu outras 88, iniciando os chamados “Anos de Chumbo”. A esquerda foi responsabilizada. Apresento neste texto alguns dados de como isso ocorreu.

Bandeira do machado de duas faces da Ordine Nuovo

O grupo por trás dos ataques era o Ordine Nuovo. Racha do MSI, partido mainstream fascista, o Ordine Nuovo sequestrou o nome e apelido da antiga militância de esquerda em torno do jornal de Gramsci, numa tentativa de gerar confusão e induzir o erro.

A facção fundou sua ideologia em torno do Tradicionalismo. Um dos seus colaboradores, Franco Freda, criou nos anos 60 o grupo de estudos Grupo de Ar, onde liam Evola, Guenón, etc, além da editora q relançou obras como “Desigualdade das raças” de Gobineau e clássicos nazi afins.

Foto de Franco Freda

Freda, fã de Hitler, difundia a estratégia na qual neonazistas deveriam se abster do discurso anticomunista em favor de um ataque ao humanismo. A Ordine Nuovo, ao atacar o partido hegemônico fascista MSI, criou o alibi para que esquerdistas ingênuos abrissem as portas aos “dissidentes” neonazistas, como se compartilhassem de mesmos interesses.

A camuflagem, com auxílio de idiotas úteis, funcionou. A acusação do atentado de Piazza Fontana caiu sobre militantes de extrema esquerda pois o agitador fascista Antonio “Nino” Sottosanti a esta altura tinha livre circulação no meio. Giuseppe Pinelli foi a primeira vítima das mentiras.

Jornal italiano anuncia a morte de Pinelli

Oficialmente, ele teria “pulado” da janela durante o interrogatório e caído do quarto andar da delegacia. Outro, Pietro Valpreda, permaneceu preso sem provas até 1987, quando foi declarado inocente. Abaixo, a comoção no funeral de Pinelli, refundador da União Sindical Italiana.

Seis anos depois, os verdadeiros culpados começam a aparecer, entre eles o próprio Freda que, diante da leniência no julgamento, teve oportunidade de fugir para a Costa Rica, onde eventualmente foi preso em 1979 com uma pena de 15 anos. Outros acusados fugiram para Venezuela e Argentina.

Um personagem indiciado com Freda foi Claudio Mutti, amigo íntimo e principal influência de Aleksandr Dugin. Ele e outros neonazistas “nazbols” escaparam da justiça (além de Roberto Fiore, um acusado no atentado de 1980, e que teve asilo político concedido por Margareth Thatcher). +

Também estava entre os acusados Stefano delle Chiaie. Membro da Ordine Nuovo e outras organizações de extrema direita, como a loja maçonica P2, se infiltrou e promoveu a agenda geopolítica do nazifascismo por décadas, sua presença na América Latina está ligada a Operação Condor e ao Gladio.

Chiaie era o indício (depois comprovado) de que as ações tiveram apoio de infiltrados no exército e na inteligência. E ainda mais grave, no fim dos 90 foi descoberta a relação dos nazibols com personagens dos EUA, como o marinheiro David Carrett, o militar da inteligência Sergio Minetto e outros.

Brasão da Gládio sobre a bandeira da OTAN

O livro de Freda foi relançado em ucraniano recentemente. As fotos de alguns eventos relacionados foram publicadas no grupo de Telegram da milícia neonazista ucraniana Karpatska Sich, ligada aos italianos da CasaPound. Entre as imagens, Olena Semenyaka, ex-agente e colaboradora de Dugin.

A ilustração na capa do livro não é novidade pra quem acompanha as redes da Nova Resistência Brasil. Seu líder, Raphael Machado, é um fã confesso não só de Freda, mas dos responsáveis pelo massacre de Piazza Fontana.+

A origem da relação de discípulo de Freda pela Nova Resistência, no entanto, vem da sua matriz norteamericana, New Resistance, que celebrava desde sua fundação este personagem, como visto nesse antigo cartaz da organização americana e no blog de Raphael Machado.

Raphael Machado, líder da Nova Resistência, comenta sobre sua relação com o neonazista italiano:

Raphael Machado descreve a importância de Freda para sua formação

A estratégia segue. O discípulo de Mutti, Dugin, opera uma ONG no Brasil que vem criando laços tanto com grupos Bolsonaristas como personagens suspeitos norteamericanos, enquanto discursa publicamente contra “o Atlantismo dos direitos humanos”. Estaríamos diante de um Gladio 2.0?

A quem interessar, essa história está relacionada diretamente a esta outra documentação

Curiosidade

Um dos nazbols, responsável pela bomba em Fontana, Delfo Zorzi, fugiu para o Japão adotando o nome Roi Hagen, agora empresário de marcas de luxo europeias. O Pandora Papers revelou que Zorzi operava via Mullbeck AB/ABCD no mercado negro das grifes, como Gucci e Balenciaga.

Alguns detalhes da história de Zorzi/Hagen e sua ligação com a máfia das marcas europeias estão no livro The House of Gucci: A Sensational Story of Murder, Madness, Glamour and Greed, de Sara Gay Forden, recentemente adaptado para o cinema.