postado originalmente
aqui
Da onda chauvinista de negacionismo histórico espanhol, destaco Marcelo Gullo. Com livros como Nada que pedir perdão e O que a América deve a Espanha, ganha espaço aqui na vizinhança. Sua narrativa diz que os espanhóis salvaram a maioria indígena de canibais astecas.
Segundo sua teoria delirante, soviéticos, britânicos e holandeses teriam espalhado uma fake news, chamada lenda negra, na qual a Espanha havia colonizado e massacrado os povos indígenas das Américas. Para ele, esta lenda causou, entre outras coisas, os baixos salários atuais e o movimento separatista na Catalunha, pois teriam impactado a autoestima da Espanha. Insiste que a ocupação, não sendo colonização nem genocídio, seria, portanto, um ato de libertação dos ameríndios, já que além de salvar a população de um suposto canibalismo de crianças em massa por parte dos astecas, teria trazido a modernidade para os indígenas com instituições europeias. Os cruéis articuladores desse ataque a autoestima espanhola são o que ele chama de “fundamentalistas indígenas”, os povos mapuche, aymara e quechua que distorceriam a bondade do espanhóis com sua própria memória dos fatos.
Em 2018, foi trazido pela Nova Resistência, para um encontro da Frente Nacional Trabalhista, onde chamou à “tarefa decolonial”: descolonizar o pensamento da influência “fundamentalista indígena” vigente. Sua história com o trabalhismo é razoavelmente recente. Tentou o entrismo no kirchenismo, e renunciou às presas sua cadeira de Relações Internacionais, na Faculdade de Trabalho Social, quando foi descoberto seu histórico no período que viveu no Peru.
A descoberta foi que ele era procurado pela justiça peruana por peculato e associação ilícita. Infiltrou o jornal Sí e o transformou em um panfleto militante em favor da ditadura de Alberto Fujimori, tendo a tarefa de difamar a oposição. Sua operação era financiada por Vladimiro Montesinos, o braço direito de Fujimori, e, por fim, as revelações de sua operação nos escritórios do Serviço de Inteligência Nacional, embolsando cerca de 6k dólares por capa, o levaram ao mandato de prisão e sua fuga à Argentina. Para aqueles que não estão familiarizados com o regime de graves violações dos direitos humanos no Peru, nos anos 90, recomendo fortemente pesquisar o nome do associado de Gullo, Vladimiro Montesinos, e sua relação com a CIA. Atualmente Gulo atua nas relações internacionais, entre outras coisas, como comentarista (geo)político onde quer que lhe deem espaço, e também como professor da Escola de Guerra da Argentina.
Suas ideias negacionistas circularam ao ponto do presidente mexicano Lopez Obrador mencioná-lo, o classificando como “monarquista que afirmava que as Américas não foram colonizadas mas libertadas pelos espanhóis”. Segundo ele próprio, se encontrou também com Evo Morales, o contestando sobre sua mente “colonizada” indígena, o que o teria deixado “mudo” (acredito eu que o silêncio de Morales, se ocorreu, foi por um espanto de tipo muito diferente do que o relato triunfal dele parece atribuir!).
Gullo é um dos agentes da rede internacional neofascista de Aleksandr Dugin, divulgador ativo de suas ideias, concatenando as teorias deste às suas próprias teorias. O atual braço direito de Dugin na Europa, Diego Fusaro, chegou a produzir uma canção em homenagem às teorias de Gullo.
Saiba mais:
Uma matéria sobre o homólogo das teorias de Gullo na Espanha, via movimento das viúvas do franquismo e do falangismo, Hispanidade, que vem difundindo a teoria colonialista e negadora do genocídio indígena, “Lenda Negra”: https://twitter.com/PTurvas/status/1714045736139006310