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Essa é a história curiosa do terrorista sionista que assassinou Rabin, desestabilizando para sempre os acordos de paz entre Palestina e Israel. É também uma oportunidade para pensar o papel da estratégia do caos e quem se beneficia dela, para onde ela desloca o poder social.

Dugin em encontro com a extrema direita judaica

Yitzhak Rabin, primeiro ministro israelense, foi assassinado em 1995, em meio uma onda de manifestações da extrema direita, capitaneada, entre outros, por Netanyahu e seu partido Likud, contra os acordos que removeriam tropas israelenses dos territórios ocupados da Palestina e o reconhecimento da Autoridade Palestina como governo dessas regiões. Mas existe um personagem da extrema direita ainda mais radical que é pouco comentado. Sua guerrilha cultural foi crucial para o clima de punição teocrática que levou ao assassinato de Rabin. Me refiro a Avigdor Eskin, que nos debruçaremos mais adiante.

Avigdor Eskin

Um breve contexto. A Primeira Intifada (1987 à 1993), foi um movimento popular de imposição física e econômica, e solidariedade em massa para criar uma força coesa e objetiva de pressão contra Israel, e pela primeira vez conseguiu escapar das vias predominantes (e em geral, fracassadas): de um lado o guerrilhismo esgotado de parte da esquerda, de outro a estratégia da barbárie permanente dos reacionários da extrema direita. É à partir dessa nova força política, a Intifada, que palestinos conseguem colocar efetivamente na mesa de negociação suas pautas políticas publicamente, enquanto Israel, muito mais armado e poderoso, até então simplesmente atropelava tudo pela força.

Em 1991, a União Soviética iniciou discussões como representação formal da Palestina, cuja organização OLP (Organização para a Libertação da Palestina) era obstruída de diálogo direto por Israel. Apesar da problemática condição em que se deu, a pressão bem sucedida da ação palestina, que trouxe a atenção do mundo inteiro para a questão, revelava a possibilidade dessa discussão tomar outra dinâmica. Agora Israel, ainda que tentando se valer de artifícios para não perder seu controle, era obrigada a sentar na mesa publicamente com Yasser Arafat, líder da OLP.

Yasser Arafat e Ytzak Rabin se encontram

Por incompleto que fosse, os acordos de Oslo esboçavam os primeiros passos para uma solução de dois estados. Setores da extrema direita, tanto no lado palestino quanto israelense, passaram a recrudescer a estratégia do terror, na esperança de que o estado rival pudesse ser aniquilado do mapa. Em ambos lados, marchas da esquerda e outras forças democráticas em favor do acordo eram recebidas por contramarchas de direitistas, fascistas e teocratas. Ainda que insuficientes, Arafat sabia que a situação do mundo era diferente. A Guerra do Golfo, onde as tropas iraquianas geraram a fuga de 200 mil palestinos e palestinas, havia desestabilizado o que restava do movimento pan-arabista, do qual a Palestina dependia completamente. A possibilidade de uma força política guiada de forma local apontava uma outra perspectiva nesse cenário de rupturas de alianças geopolíticas, além do fim da União Soviética.

Arafat era um líder que representava não a esquerda, mas todo um amplo espectro da sociedade. Era preciso tomar uma iniciativa que produzisse um futuro concreto pra o avanço. Rabin também não era um esquerdista, longe disso, seu histórico de complacência e coautoria de abusos da ocupação era grande, mas ele também entendia que o cenário do mundo era outro. O assassinato de Rabin revelou os riscos que Arafat corria, e os ataques do Hamas e outros direitistas contra ele empurraram ao retrocesso da imobilidade em proposições delirantes e infantis (“o único acordo é 9 milhões de pessoas abandonarem tudo e virarem refugiados errantes, ou então nada. Do rio ao mar!”).

Volto a Eskin. O sionismo é o nacionalismo hebreu, e, assim sendo, é permeado por uma imaginação mítica de unidade atemporal. É o terreno fértil para teorias reacionárias como o Tradicionalismo e o fascismo. O terrorismo da extrema direita israelense não só ajudou a fundar o país, segue vivo em constante agitação metapolítica para que nunca se desarme em um mero princípio de auto-determinação. Um dos seus agitadores é Avigdor Eskin, russo-israelense da rede de Dugin. Vindo de movimentos fascistas terroristas como a JDL (Jewish Defense League) e o Kach, que propõe a extinção da Palestina, revogação de cidadania para não-judeus e o retorno a uma sociedade teocrática radicalmente tradicional, Eskin abandonou esses grupos, tidos como limitados, e se uniu a Dugin, se tornando liderança no Partido Eurasiano.

Marcha da Jewish Defense League

Criou os contatos fundamentais para escalada de influência dele, com oligarcas de vários países que passaram a financiar o guru russo, como o banqueiro Mikhail Gagloev. Com uma série de ações midiáticas, como a tentativa de jogar uma cabeça de porco com o alcorão dentro, na mesquita de Al-Aqsa, um de seus feitos mais icônicos foi o ritual esotérico de maldição, pulsa dinura, pedindo a morte de Rabin. Poucos dias depois o primeiro ministro seria assassinado por Yigal Amir, um fanático religioso de extrema direita que insistia tê-lo feito de acordo com a lei religiosa de din rodef. Anos mais tarde, Avigdor Eskin tentaria mobilizar a soltura de Amir, visto como um herói da tradição religiosa.

Aqui um breve histórico de como Avigdor Eskin ajudou Dugin a receber financiamento e ganhar notoriedade, do livro Black Wind, White Snow, de Charles Clover:

Outro membro da organização do Movimento Eurasianista de Dugin em Israel, o parlamentar e atual Ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, também fez de tudo para conseguir a liberdade de Amir. Um profundo entusiasta do colono que massacrou 29 muçulmanos palestinos no Túmulo dos Patriarcas, Baruch Goldstein, em 1994, Ben-Gvir organizou todo tipo de agitação para o linchamento de Rabin, e anos mais tarde iniciou campanhas de perseguição a palestinos, sendo inclusive o arquiteto da lei que tentou proibir a exibição da bandeira da Palestina em Israel. Em seu site, Dugin descreve Eskin e Ben-Gvir, e suas prisões em uma manifestação, como

“famosos eurasianistas israelenses [… que realizaram junto de outros cidadãos do país o protesto …] com o apoio da seção israelense da União da Juventude Eurasiana

O resultado para os acordos de paz no lado israelense foram os mesmos dos agentes do caos no lado palestino. Raiva difusa, retrocesso e paralisação. Assombra que diante dos novos articuladores dos mesmos agentes do caos, em 2023, muitos à esquerda ainda se seduzam pelo espetáculo da matança que não produz acúmulo de conquistas. Vemos agora gente pintando a Palestina, que em sua longa história produziu grandes artistas, poetas e filósofos, como “animais em estado de pureza”, desprovidos de subjetividade humana, reduzidos ao puro instinto de matar ou morrer. Quem encarna essa amoralidade animalesca é, ao contrário, o mentor dos agentes do caos, o fascista Dugin, que em texto repercutido recentemente por certa esquerda míope, esclarece o porquê do abandono aos palestinos: o parâmetro do que é certo ou errado é ditado pelo que me favorece.