por El Hadj Souleymane Gassama (Elgas) (encontrado na revista senegalesa Seneplus, disponível aqui)

Kémi Séba e Aleksandr Dugin apertam as mãos

[Nota do site: esta imagem de capa utilizada não consta no artigo original]

Kémi Séba deu à literatura, entre outros, três textos: Supra-Negritude, Black Nihilism e Obscure époque. Os dois primeiros, livros maciços com iconografia inequívoca, visam dar aos negros espoliados pela história e sua continuidade, armas para lutar e se libertar. O objetivo em si é nobre e, no registro, a filiação é rica. As duas obras do nativo da Alsácia, ensaios densos e combativos, tentam explorar o pensamento, mas logo abandonam o que é necessário e embarcam num deleite pelo ativismo. Pode-se dizer, sem revelar muito, que seus editores não o fizeram trabalhar muito, ou talvez nem o tenham lido. Eles imprimiram, não editaram. Sem dúvida, esse é o lema dessas casas: publicar textos inflamados, possivelmente mal escritos, desde que satisfaçam o credo da dissidência, bingo.

Não seria exagero dizer que o autor não é candidato ao Prêmio Nobel do ensaio. O que ele oferece é um amontoado de pensamentos, com fragmentos heterogêneos, que podem ser resumidos em uma coisa: a expropriação contínua dos negros da qual é preciso se libertar. Com uma reinvenção do orgulho e uma virilidade de combate. Esse argumento banal povooa toda a literatura há provavelmente dois séculos. Temos que admitir que se tornou a vulgata essencial de um renascimento, e até mesmo ilustres pensadores, negros ou brancos, elevaram o nível. Tínhamos, portanto, o direito de esperar de Kémi Séba, além da repetição, que ele enriquecesse, rejuvenescesse, ou no mínimo, esboçasse uma nova perspectiva ou soprasse um vento fresco. Mesmo procurando atentamente, com o nariz enfiado nesses tijolos, não é muito encorajador. O resultado da pescaria não é bom: o ativismo substitui o pensamento, a virilidade substitui a solidez do argumento, os truques substituem a vitalidade do conteúdo, e a radicalidade substitui a erudição. Aproximações demasiadas. A linguagem escolhida é, por lazer, aventureira. Uma mistura improvável de uma linguagem que se diz verdadeira e de uma suposta eloquência mal traduzida no texto. Kémi Séba se gaba disso, e isso até pode ser relevado. Kémi Séba acusa, e isso é aceitável. Kémi Séba diz ser um dos únicos dessa escola, e chama a depor todos que não pensam como ele, aí ele se torna, segundo a expressão de Baudelaire repetida por Césaire: cômico e feio. Pode-se acrescentar farsante.

Preguiça e incultura dos ativistas

A militância sempre produziu ativistas. Necessários para a causa, eles são modelos, bússolas, líderes. Na história, nos melhores casos, eles tentavam explorar o pensamento, se apoiavam em corpos ideológicos sólidos e muitas vezes, se muniam de ciências e conhecimentos. Uma das mudanças em nossa época é que os ativistas não se preocupam mais com nada disso. Eles tornam eles próprios a questão, e rebocam causas que são apenas plataformas para sua ascensão. Lendo os dois volumes de Kémi Séba, sua amnésia ou sua paralisia voluntária na literatura é evidente. Com exceção de algumas referências consensuais, limitadas a áreas de ativismo de ascendência negra e traídas em prol de atalhos, o autor nunca se esforça em enriquecer suas observações para além de seu circulo restrito.

O livro denso se torna tão superficial. A dissidência, em sua vasta empreitada de negação do que ela considera como ordem dominante, promete se libertar das regras acadêmicas ou literárias. Ela afirma estar contornando o mainstream, mesmo que não tenha os meios para seu combate. Desqualifica o que não lhe é acessível. Nós ensinaremos a ela que, depois ou mesmo ao mesmo tempo que Cheikh Anta Diop e as Nations of Islam, suas referências diretas, outros como Bourdieu, Foucault, Edward Said, desafiaram o centrismo ocidental. Eles se permitiram um pensamento mais radical, mais bem construído, que não sacrificava a língua nem as ideias e cujos benefícios ainda alimentam por muito tempo as conquistas dos estudos modernos. O Ocidente não é essencial, uma de suas forças é que ele incorporou em si, de forma tão dura, sua crítica, sua negação, seu desgosto.

Não é surpreendente ver que todo o campo decolonial moderno, na melhor das hipóteses, está preso na repetição ad nauseam de críticas antigas que são ressuscitadas sem talento e sem novidade. A crítica da epistemologia ocidental, a nova moda dos colóquios, é uma comédia que consome o tempo. Aí formamos pequenos repetidores de Bourdieu ou de Foucault, autores da teoria francesa. E acrescentamos melanina e um novo vocabulário para obter um passe livre e a impressão de autenticidade. Mas essas esferas não são as de Kémi Séba, seu niilismo é mais imprudente. Nessas altitudes onde ele sente falta de ar, ele se recusa a ir. É um alpinismo pequeno burguês, que não atende às demandas da competição.

Gestação de um ídolo

Quanto aos assuntos civis, Stellio Robert Gilles Capo Chichi é um jovem bem conservado que se comporta muito bem. Ele nasceu em 1981 em Estrasburgo. Bígamo assumido e militante, sua infância e seu desgosto na França pós-colonial o marcaram. Francês sem a alma nacional, ele viveu esse drama interno que muitos filhos da imigração enfrentam, esquecidos pela narrativa nacional, rebeldes por natureza, com um toque de paranoia. Ele se propõe a reescrever a história e fazer justiça aos seus. Isso torna Stellio quase cativante, com seus olhos espertos e travessos. Esse rosto suave que ele endurece de propósito em um jogo de esperteza. Na França pós-2005 de Dieudonné, atormentada pelo mal-estar dos jovens de origem imigrante, o ressentimento se tornou industrial entre essas crianças de entre-duas culturas. Muitos deles buscaram maneiras de liberar essa raiva. O esporte, a religião, o isolamento identitário, a república, o ativismo, a secessão, o retorno, a fuga… O quadro é plural e é quase uma boa notícia, a diversidade é realmente diversa e não pode ser reduzida a figuras únicas. Do outro lado do rio, fica quase um irmão gêmeo, Abd Al Malick, seu verdadeiro nome é Régis Fayette-Mikano, também confrontado com os mesmos questionamentos e que encontrou na homilia religiosa da comunhão, o remédio para o seu mal-estar. Duas histórias gêmeas, duas escolhas diferentes. Kémi tem o papel ruim.

Revoltado com a situação dos negros na França, ele ficou furioso. Stellio criou a Tribu Ka, sua versão derivada das Nations of Islam das quais foi membro. A brigada se pavoneia como uma milícia atrás do guru. Ele abdica sua identidade civil, se deleita na radicalidade e, infelizmente, gosta disso. É o início de um tobogã emocionante onde ele se deleita com a adrenalina da notoriedade. Em sua trajetória, ele testa limites, os ultrapassa e constrói um status de mártir e proscrito. Mas o garoto tem recursos. Ele tem fascínio, presença e sabe encantar. O microfone se torna seu aliado e seu instrumento de poder. De conferências confidenciais a eventos, as redes sociais lhe fornecem admiradores. O fenômeno está lançado.

A mídia o convida quando ainda é aceitável. Ele se apaixona por Dieudonné, então no auge de sua popularidade. Os dois rebeldes são imitados e os jovens das periferias veem ídolos à sua imagem. O lugar de representante oficial dos negros, antes do surgimento do CRAN (Conselho Representativo das Associações Negras da França) e antes da saída de Rokhaya Diallo do conforto do Canal Plus, é um trono desocupado. Kémi Séba se declara rei e assim nasce na opinião pública. O próximo passo é a justiça. Algumas encenações, provocações, escalada em seus discursos, uma tentação pela violência, o afastam e o prejudicam. A paranoia alimenta o desejo de vingança. Ele está encurralado. Proibido na França, reduzido ao silêncio dos becos clandestinos, seu objetivo de ser um agitador-profeta em sua própria terra está fracassado. Ele guarda o passaporte e vai em direção ao recurso.

A fuga às origens

E é a África. O berço idealizado. Kémi sabe para onde está indo, Dakar. Senegal é o filho paparicado da colônia. Seus intelectuais têm uma relação idílica com a França. À primeira vista, o desafio não é favorável para alguém que despreza seu país e corre o risco de reencontrá-lo em Dakar. No entanto, foi rapidamente adotado pela Téranga. Colunista do único talk show local, Le Grand Rendez-vous, ele construiu uma sólida reputação como um Zemmour dos trópicos, imbatível em justas e professor de bobagens com autoconfiança. Dakar murmura e acaba compartilhando a fama desse jovem eloquente que desperta o interesse dessa juventude que desacreditou todas as palavras políticas, ou mesmo intelectuais. Expulso da França e jogado na lata de lixo, ele se transforma como um cisne negro, longe de Paris, em Dakar, num rally deslumbrante. Novo cenário, novo figurino. Acabaram-se os italianos, e como Kadhafi, ele adota os trajes de seu novo amor pelo continente africano. Uma bandeira continental cuidadosamente costurada ao nível de seu coração. Quem poderia suspeitar de sua insinceridade? No entanto, o cheiro não desaparece depois de tantas lavagens e de um novo guarda-roupa. Kémi não matou Stellio. Ele continua sendo bem francês. Permanentemente alienado. O francês continua sendo sua língua. A do seu talento, do seu jogo e da sua luta. Sua única língua. Quase nenhuma língua africana, cultura, calendário, história complexa lhe são familiares de forma fluída. Ele romantiza as origens e, com algumas mentiras, desenterra um osso para esconder que a África é um recurso e não seu objetivo inicial. Antes da consagração dos decoloniais da atualidade, não era bem visto dizer o que ele diz. E agora que celebram o que ele diz, ele está excluído da festa. Ele tinha a razão cedo demais e agora está furioso por ver a Liga de Defesa dos Negros Africanos (LDNA) ser reconhecida e até convidada, colhendo o que a Tribo Ka semeou. Eu também teria ficado muito chateado…

Um herdeiro dos pensamentos mainstream

A tentação intelectual é grande de considerar que Kémi Séba não é digno de interesse. Que é um clown, um épiphénomène. Um marginal. Essa condescendência tem um higienismo contraproducente. É preciso ouvir esse homem, lê-lo. Não o ostracizar. Convidá-lo para debater e demonstrar a fraude, se necessário. Eu concordei em convidar Kémi Séba para o programa Confluences, ele recusou, com ameaças físicas como garantia. Ele alegou comandar um exército de mais de 500.000 soldados no Facebook e, como tal, nosso programa não tinha um trono de ouro para merecê-lo. Superando esse capricho infantil, Kemi Séba realmente toca muitos jovens africanos carentes de ídolos. Eles se identificam com ele, o idolatram e o admiram. Em vez de censurar esses amores inadequados, devemos tentar compreendê-los e aceitar uma falha mais geral dos intelectuais africanos que permitiram a fácil implantação e crescimento de Kémi Séba.

Em suma, o pensamento dominante sobre a responsabilidade primária do Ocidente no chamado “drama africano” se espalhou tanto que se tornou a condição de notoriedade para todos os intelectuais do continente. Eles precisavam usar o discurso decolonial para conquistar os aliados franceses da esquerda anticolonial e a academia anglo-saxônica. E assim, vincular, ou mesmo subordinar, o sucesso da África à ruptura com o Ocidente, como única condição, é uma forma preguiçosa, simplista de pensar que preparou o terreno para Kémi Séba. Tudo o que lhe restava, onde os intelectuais estão amarrados e calados por suas mentiras e cumplicidades com a França - que eles criticam mas que os mantém -, apenas jogar a carta da radicalidade extrema. Enquanto os intelectuais orgânicos lidam com a França e consentem em se relacionar mesmo na rebeldia, Kémi joga a virilidade da ruptura absoluta. É o mesmo tronco comum, com apenas posições diferentes em uma nuance de radicalidade. O jovem certamente não seria renegado por Théophile Obenga e seus escritos recentes. Muitos intelectuais no continente não têm antipatia pelo jovem. Ele desperta uma admiração secreta até de alguns presidentes. Kémi Séba, portanto, não hesita em insultá-los e de se ver através de seus espelhos como o verdadeiro, o autêntico, isento de qualquer compromisso e, afinal, o único resistente. Kémi Séba se alimentou, como um galináceo, de todas as pequenas sobras que jazem na paisagem pela preguiça, falta de complexidade, insinceridade, e fez delas um nutriente essencial para a vitalidade, mesmo malcheirosa, de seu pensamento. Ele é um herdeiro, que trai o legado, mas um herdeiro.

Apelo à sabedoria

Nas últimas notícias, o céu escureceu sobre a cabeça de Kémi Séba. Rejeitado por muitos países africanos, ele se tornou um indesejado. O que ele ganha em mártirologia, ele perde em visibilidade, e o tempo está passando. Outros lobos ativistas, mais estratégicos, tomam seu lugar. Ele continua sendo bem francês. Uma criança da Europa. E a África não é um capricho de um rejeitado. São histórias, muitas, diversas, variadas. Os países não são intercambiáveis. Nenhum descendente pode ser excluído ou promovido com base apenas em sua origem. A história não é um brinquedo. É uma tragédia perpétua que não se importa com humores e espasmos egoístas. É preciso se curvar a um pré-requisito: conhecer, aprender. Kémi Séba carece desse ideal de humildade e tem tempo para corrigir isso. Se ele quer aprender com os antepassados, que comece com a sabedoria. As aproximações em seus discursos, a inversão do racismo, devem ser debitadas nessa conta: o verdadeiro debate não está na ofensa, ele deve sustentar a distância e o esforço da contra-argumentação. Para tanta virilidade e plenitude, Kémi Séba oferece um pensamento fraco.

Mas mais do que isso, é um niilismo, no sentido preciso sem virtude, sem genialidade. Uma desconstrução sem continuação. Uma negação da África, de seu curso, de seu coração, de sua história, de sua resistência sempre viva. Uma África decididamente certa de que a história da colonização não é toda a sua história, mas uma parcela ínfima, e que nessa desconolização, muitos tesouros permaneceram vivos. O nivelamento de homens e mulheres, com o pretexto de uma cor comum, é um clichê racista invertido. Ele nega a diversidade primária. As pessoas não são peles, mas substâncias. Trata-se de um niilismo, um verdadeiro black nihilism do qual ele é o agente. Pode-se ser irmão de Stellio e sofrer com ele o seu desgaste, que também é nosso, contanto que ele se livre do manto da aparência. O destino de bilhões de seres não é um jogo de tronos. É uma oferta, até mesmo uma mão estendida.